Enfrentamento à Automutilação, à Depressão e ao Suicídio é debatido na CMU
A Câmara Municipal de Ubá (CMU) e a Frente Parlamentar da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizaram Audiência Pública de Enfrentamento à Automutilação, à Depressão e ao Suicídio, em 29 de novembro, no plenário do Legislativo Ubaense.
Participaram do evento o Vice-presidente da CMU, vereador José Roberto Reis Filgueiras, que coordenou as atividades; os Vereadores Alexandre de Barros Mendes e Edeir Pacheco da Costa; o Deputado Estadual, Charles Santos; e os palestrantes: a psicóloga clínica, Marina de Oliveira Patrício; a médica pediatra e hebiatra, Márcia Aparecida de Oliveira; e o psiquiatra da infância e adolescência, José de Alencar Ribeiro Neto.
“Esta audiência pública se realiza por meio de um requerimento aprovado na Câmara, em virtude da criação da Frente Parlamentar de Enfrentamento à Automutilação, à Depressão e ao Suicídio. Quando tomamos conhecimento da existência desta Frente Parlamentar, entramos em contato com o Deputado Charles Santos, e agendamos a data para juntos discutirmos este problema que hoje tem afetado cada vez mais os brasileiros”, disse José Roberto.
O Deputado Estadual Charles Santos falou da motivação em criar a Frente Parlamentar e de seu enfretamento à depressão. “Eu faço um trabalho de acompanhamento desta questão há muito tempo, por ter convivido com a depressão há 34 anos. Hoje tenho 45, mas, quando tinha 10 anos eu disse à minha mãe que estava com vontade de morrer, e pedi a ela que não me perguntasse de onde tirei este pensamento. Eu sentia um gosto estranho na boca, um aperto no peito e uma tristeza profunda. E minha mãe dizia que era coisa da minha cabeça. Eu morava na roça, no interior, e nasci com o pé torto congênito, portanto não tive infância. Acredito que fui colocando para dentro de minha alma tristeza e angústias. Passei a frequentar uma igreja com minha mãe e afirmo que, para o meu caso, a experiencia funcionou. É preciso aprender a perceber os sinais da depressão, principalmente nas pessoas mais próximas, e tentar ajudar”, disse.
Palestras
A primeira explanação foi da médica pediatra e hebiatra, Márcia Aparecida de Oliveira. Ela abordou os assuntos: depressão, autolesão não suicida e suicídio. “O uso excessivo de álcool aumenta o risco de acidentes, homicídios e suicídios, e sua iniciação precoce representa um importante problema de saúde pública. É necessário o aperfeiçoamento de medidas legislativas e rigor na fiscalização de venda de álcool para menores, assim como políticas de saúde pública de acolhimento dos indivíduos com fator de risco para tais transtornos”, destacou.
Ainda conforme Márcia, a depressão é um transtorno mental frequente, que atinge a estimativa de mais de 300 milhões de pessoas no mundo. “Ela pode causar à pessoa afetada um grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola e no meio familiar. Na pior das hipóteses, levar ao suicídio. Existem tratamentos eficazes – psicoterapêuticos, psicofármacos, psicossociais. A “autolesão não suicida” é a destruição intencional e direta do próprio tecido corporal, sem intenção de suicidar. Os métodos mais comuns são: cortar, queimar, coçar, morder, dificultar a cicatrização de feridas e arranhar. E podem ocorrer em todas as idades, gêneros e grupos étnicos, mas são especialmente comuns entre adolescentes com taxas de prevalência transnacionais de até 25% (estudos recentes mostram também em crianças a partir de 7 anos). E o suicídio é um fenômeno multicausal, influenciado por uma combinação de fatores como transtornos metais e questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filósofas existenciais e ambientais”, ressaltou.
Ao encerrar, a palestrante reforçou: “O suicídio pode ser prevenido. Segundo a Organização Mundial de Saúde a taxa de suicídio no Brasil cresceu 10,4% no período de 2000 a 2012, principalmente na faixa etária de 15 a 29 anos. Deve-se adotar estratégias de prevenção de acordo com as condições de cada local”.
A segunda palestra ficou a cargo do psiquiatra da infância e adolescência, José de Alencar Ribeiro Neto. Ele apresentou estatísticas gerais e a assistência em Ubá, e abordou a violência autoprovocada. “Eu tive acesso aos dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica de Ubá e fiquei muito preocupado com a falta de informações no relatório. As estatísticas são pobres se comparadas ao número real de casos. Diariamente existem casos de tentativa de suicídio em Ubá, pelo menos dois por dia, e alguns consumados. A violência autoprovocada compreende ideação suicida, automutilações, tentativas de suicídio e suicídios”, explicou.
De acordo com José de Alencar, o suicídio é a segunda maior causa de mortes entre os jovens de 15 a 29 anos e mais de 800 mil tiram a própria vida por ano no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2014. “E a meta é reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020. O Brasil é signatário do Plano de Ação em Saúde Mental, lançado em 2013, pela OMS. Mas 2020 já está chegando, a gente não conseguiu reduzir, e este plano de ação não trouxe resultados. As lesões autoprovocadas têm aumentado cada vez mais. Lembrando que nem toda lesão autoprovocada é uma tentativa de suicídio. Os adolescentes utilizam muito deste recurso para aliviar uma angústia, um sofrimento que é real, pois a depressão dói, é angustiante demais e dura muito tempo”, afirmou.
O psiquiatra destacou ainda que as mulheres são mais vulneráveis e tentam mais suicídio (69%), mas os homens são mais letais nas tentativas (31%). “No Brasil entre 2011 a 2016 foram registradas 48.204 tentativas de suicídio e 58% foram por envenenamento/intoxicação. Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Brasil), no período de 2011 a 2016 o envenenamento ou intoxicação são os principais meios utilizados nas tentativas de suicídio. Falamos muito dos adolescentes, mas vale ressaltar que os idosos são a população de maior risco, porque eles são mais letais”, pontuou.
Conforme o psiquiatra, os fatores de risco são: transtorno mental, uso de álcool e drogas, impulsividade, abuso na infância, falta de habilidade na resolução de problemas, isolamento social, ausência de amigos íntimos e a tentativa prévia. “Existem vários outros fatores de risco, mas a maioria deles envolve o desenvolvimento dos fatores psicossociais, condições limitantes de saúde, entre outros. As taxas de depressão dispararam desde 2011, os sintomas entre garotos subiram 21% nos últimos anos, e entre as garotas mais de 50% nos últimos anos. É preciso dar atenção especial ao adolescente, pois é um sujeito vulnerável. Nunca foi tão descrito em meu consultório adolescentes com sensação de solidão, que reportam muito mais sintomas de depressão que as gerações anteriores, porque a tecnologia, que é excelente, deixou a relação interpessoal ainda mais precária. E há estudos que mostram que adolescentes que passam três ou mais horas no celular por dia, aumentam o risco de suicídio em 35%.”, explicou.
Ainda segundo José de Alencar, a tentativa de suicídio é uma urgência médica e tem que ser entendida como tal. “Não existe protocolo nas urgências médicas dos hospitais para tentativa de suicídio, mas existe protocolo para tudo na medicina, menos na saúde mental. A existência de Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ou de Serviço de Saúde Mental no município é fato protetor, reduz em 14% o risco de suicídio. Uma pessoa no Brasil com a ideação suicida leva 180 dias para chegar a um psiquiatra. É muito tempo. E a grande critica que eu tenho para o meu município, e acredito que seja para o Estado inteiro, é a inexistência do preenchimento da ficha de notificação de violência interpessoal autoprovocada. Como vamos fazer políticas públicas, discutir medidas eficientes em Ubá, se não há notificação? Se existem dois casos de tentativa de suicídio por dia, que chegam no hospital, isto não é notificado, e a epidemiologia tem registro de um caso por mês, em média. Esta ficha precisa ser preenchida. A notificação imediata é obrigação”, declarou.
E concluiu que as pessoas que tentam suicídio devem ser o principal foco das ações de vigilância e prevenção dos profissionais e serviços de saúde e de promoção da saúde (rede de apoio falha ou inexistente). Há ausência de protocolos e diretrizes. O Estado mantém um rol de medicamentos muito antigos. A atenção primária sobrecarrega devido ao alto índice de doenças crônicas não transmissíveis, e há poucos profissionais capacitados e treinados para lidar com depressão e outros transtornos mentais”.
Para finalizar o ciclo de palestras, a psicóloga clínica, Marina de Oliveira Patrício, abordou a sintomatologia depressiva na criança, no adolescente e no adulto. “A criança ou o adolescente não consegue ter total consciência do que sente. O adulto deprimido consegue falar sobre seus sentimentos, como alteração de humor, falta de prazer em viver, de executar as tarefas diárias, alterações de sono e apetite, deixando clara a sua dor. As crianças e adolescentes deprimidos nem sempre nos transmitem esses sinais, sendo mais comum apresentar alterações de comportamento como irritabilidade, agitação motora, impaciência, medo, ansiedade, raiva, agressividade, tristeza, sensação de culpa e de melancolia. A identificação precoce e o tratamento efetivo podem reduzir o impacto da depressão na família, na sociedade, no funcionamento acadêmico, reduzir o risco de suicídio, o abuso de drogas, assim como a persistência do transtorno na vida adulta”.
Segundo a psicóloga, nossa cidade carece de programas de prevenção a problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes. “É preciso orientar as famílias sobre os fatores de risco e os sinais da doença; capacitar os profissionais que trabalham diretamente com esse público, para desenvolverem uma escuta ativa e serem acolhedores a esse indivíduo e sua família. Tratamento profissional e especializado deve ser disponibilizado ao indivíduo doente e à família. Através da intervenção precoce consegue-se a diminuição do sofrimento, aumento da capacidade adaptativa e o ajuste socioemocional da criança e do adolescente”, explicou.
De acordo com Marina, os riscos de suicídio podem ser minimizados se houver troca de informações entre os pais, escola e os profissionais de saúde mental, supervisão mais adequada, e sessões de psicoterapia e acompanhamento médico regulares. “O aparecimento de perturbações depressivas na infância parece estar associado a um conjunto de fatores sociais, tais como o ambiente familiar, o papel dos pais, o ambiente escolar e sociodemográfico”, concluiu.
A audiência pública contou também com a participação dezenas de pessoas e seis delas, entre adultos e adolescentes, deram depoimentos do que já enfrentaram e ainda enfrentam sobre a automutilação, a depressão e o suicídio.